PREOCUPAÇÕES NESTE INICIO DE ANO LECTIVO 2012/2013
Quando me apresentei ao escrutínio dos professores do ensino básico do concelho, os meus colegas sabiam e sabem o que sou: dirigente sindical, professora do Primeiro Ciclo, depois de Educação Especial e cidadã que opta, conscientemente pela defesa da Educação em geral e pela defesa da Escola Publica.
Assim, a responsabilidade dada pelos meus colegas neste meu mandato foi a de reflectir e divulgar aquilo que me preocupa na Educação, logo o que os preocupa neste início de ano lectivo…espero corresponder a esta responsabilidade…
O desafio colocado foi o de partilhar convosco as preocupações para este ano lectivo de 2012/2013 e, se possível centrar as minhas preocupações na realidade do nosso concelho.
Poderia mencionar e elencar as preocupações de professores de cada agrupamento do concelho, seria fácil contactar cada escola, cada colega e fazer-vos aqui um quase relatório mencionando números, estatísticas e percentagens, fazendo comparações com os outros países da União Europeia. Mas nestes tempos de números e estatísticas perde-se a consciência de que por cada número não existe uma quantidade mas um Ser Humano com fragilidades e forças, defeitos e qualidades.
Assim, optei por mencionar as preocupações que tenho neste início de ano lectivo como sendo aquelas que perpassam cada professor, consciente que um professor para além de um funcionário público específico é também um cidadão ou uma cidadã, um pai ou mãe, um trabalhador ou trabalhadora.
É nesta confluência de tudo isto que um professor sente, pressente e se preocupa, por vezes optando por seriar as suas preocupações, colocando as aprendizagens dos seus alunos acima das preocupações com a dignidade das condições do seu trabalho ou com a dignificação da sua profissão…
Preocupa-se com aquilo que é feito nalguns agrupamentos deste país de uma forma dissimulada: a municipalização da educação ou o exercício autoritário e ditatorial de alguns directores e os professores têm medo, como outros trabalhadores…
Preocupa-se com o número de alunos por turma, dir-me-ão que no tempo de alguns de nós “…eramos 40 numa sala de aula e a professora tinha todas as classes.” Não me parece que queiramos esses tempos, eles traduzem os tempos de ditadura, traduzem o impedimento de estarmos hoje aqui a poder pensar e falar. O aumento de alunos por turma traduzirá, ao longo deste ano lectivo, o aumento da indisciplina e da intolerância. Num grupo de 30 garotos e garotas de doze anos como se pode pedir que se mantenham calados e atentos no tempo de uma aula???? Como poderá um professor ter igual atenção num grupo de 30 alunos com seis anos a iniciar as aprendizagens da leitura e escrita, sabendo que nem todos iniciam com a mesma “bagagem” mas que todos, ou quase todos, dez meses depois terão que saber ler…
Preocupa-se com a não existência de currículos das diferentes disciplinas, substituídos por documentos que são metas de aprendizagens, substituindo as competências dos alunos por objectivos a atingir como se a necessidade de produzir rolhas se aplicasse às aprendizagens…
Preocupa-se com uma reorganização curricular que não foi mais do que uma reestruturação da carga horaria das disciplinas, colocando em forma de lei o facto de existirem umas disciplinas que são mais importantes do que outras, mais nobres do que outras. Sim porque o saber escrever e contar é mais importante do que o saber analisar…
Preocupa-se com os anúncios das alterações, feitos através da comunicação social que rapidamente não são bem assim…. Preocupa-se com um tal ensino vocacional que afirma que os alunos que não tenham sucesso serão encaminhados para outras vias educacionais, criando a escola dos bons rapazes e a outra….
Um professor, uma professora preocupa-se com o que foi hoje publicado em forma de lei o “ Estatuto do aluno e Ética Escolar” sem que exista a clarificação de alguns conceitos como o de ética escolar, como se a escola e os seus espaços não plasmassem e reflectissem o quotidiano da vida, das vilas, das ruas, dos vizinhos, teremos a ética das populações para breve?…
Mas um professor, já vos disse hoje aqui, é também um trabalhador… de caneta e lápis, da “magia” de fazer descobrir e ter atenção ao outro…
Somos, em cem mil ou noventa mil professores todos óptimos? Não, mas somos como qualquer trabalhador SERES HUMANOS …
Como se pode ser professor quando depois de trinta anos de trabalho, uma carreira, nos dizem que já não teremos alunos, destruindo-se assim uma vida porque a opção política foi de que o saber fazer contas é mais importante do que o saber pensar, construir ou criar?
Como pode um professor ou uma professora, que há já dez, doze, dezanove anos é um trabalhador eventual todos os anos, mesmo que a entidade patronal não cumpra a passagem a efectivo depois de 3 anos de contratação…
Como pode um professor, sendo também cidadão ou cidadã, ficar indiferente aos números do Ministério da Educação quando cinco mil professores contratados não irão estar na escola e cerca de dois mil correm o risco da mobilidade especial e consequente despedimento? O que se responde a um professor de Matemática, com um nome, uma vida, um percurso, quando nos diz “vou aproveitar bem este ano com os alunos, para o ano já não ireI trabalhar”…
Mas aqui hoje sou também uma cidadã, mãe, dirigente sindical e uma professora e o que me preocupa neste início de ano lectivo não são só os próximos dez meses e o que poderá ou irá acontecer nas escolas dos agrupamentos do nosso concelho, nos espaços de sala de aula ou no recinto escolar.
Preocupa-me a Escola Pública, a forma dissimulada como paulatinamente, com legislação avulsa e tentando não dar nas vistas, se desconfigura esta ideia, logo defesa ideológica, de que uma Escola Publica é aquela onde se cumpre a Constituição Portuguesa “ Todos têm direito à educação e cultura”. Preocupa-me a hierarquização das disciplinas e a recusa de que um Ser Humano se constrói também com o saber desenhar, saber dramatizar, saber movimentar-se.
Preocupa-me que enquanto a Unesco exigiu que no currículo nacional de Timor-Leste constasse hora e meia de Formação Cívica, no nosso país se tenha abolido estes momentos de aprendizagem do Ser Cidadão…
Preocupa-me a falta de técnicos que me ajudem como professora a ensinar, a fazer aprender. Não tenho resposta quando um colega professor me diz que precisa de um psicólogo para um aluno, quando um encarregado de educação me diz que precisa de um Terapeuta de Fala. Preocupa-me um colega professor ter que saber se o aluno tomou o pequeno-almoço antes de vir para o dia de aulas ou um pai e uma mãe que me dizem já não conseguir perceber o filho, nem ter disponibilidade para isso porque se encontram desempregados…
Talvez não tenha conseguido responder ao desafio colocado para este encontro “as preocupações no início deste ano lectivo”, espero porém ter honrado a responsabilidade dada pelos meus colegas quando me elegeram, sei que
como venho a afirmar nalguns meios de comunicação social nestes últimos sete anos, os professores são profissionais, lutam para além dos seus tempos de aulas….
Mas, não posso terminar sem partilhar a frase de João dos Santos, nos seus Ensaios sobre Educação, “O papel dos educadores é o de estimular todas as formas de expressão de que a criança é potencialmente capaz seja ela deficiente ou normal.”
E educadores somos todos os que aqui estamos hoje, porque na grande maioria, todos somos pais, tios ou professores, espero que nunca abdiquemos também de ser Cidadãos com a relação de pertença à sociedade e a disponibilidade para defender aquilo em que acreditamos, porque essa é uma defesa de um Futuro.