O Judas da Política

A edição da revista Visão da semana passada faz um enorme serviço público, através da publicação de uma investigação ao partido CHEGA, servindo como um microscópio pelo qual podemos estudar melhor este organismo alienígena que é este partido.              Mais do que uma mera opinião, onde facilmente um dos 20 mil perfis falsos de Ventura comentariam dizendo que “ele incomoda muita gente”, passamos a ter uma verdadeira ferramenta de análise desta estrutura populista de extrema-direita. Averigua-se, com total segurança, que este “fenómeno” neossalazarista nada mais é do que um rip-off dos movimentos de Bolsonaro e Trump.

À semelhança destes movimentos, Ventura decidiu combinar os fanáticos religiosos e ideológicos com os “desacreditados no sistema” e tubarões do ramo imobiliário, com uma pitada, à Salt Bae, de iliteratos políticos que terão, numa fase inicial, apoiado Ventura por ser Benfiquista, sendo que teve a sua rampa de lançamento e um dos seus maiores palcos através do seu antigo cargo de comentador desportivo. Portanto, é esta a mistela que encontramos no partido, tanto a nível militante/simpatizante, como a nível administrativo, sendo que a esmagadora maioria dos dirigentes do partido, distritais e nacionais, incluindo os elementos da juventude partidária do Chega, têm/tiveram algum tipo de ligação a grupos fascistas, exercem no setor imobiliário – essencialmente no segmento de luxo – ou estão ligados à comunidade cristã evangélica ultraconservadora.

Ainda assim, aquilo que mais me fascina é a capacidade exploratória da máquina propagandista de Ventura, que aproveita as fragilidades da digitalização para não só criar os seus conteúdos, mas para os propagar a níveis estratosféricos. Tudo isto à custa de títulos vistosos, sempre com intervenções que forçam uma retórica “politicamente incorreta”, evidenciando um discurso de ódio gratuito, ou da normalização do mesmo. Sabemos agora que este sucesso digital deve-se a autênticas “milícias digitais”, que defino sucintamente como um aglomerado de keyboard warriors, que, aliado com dezenas de milhares de contas falsas, conferem os números impressionantes de likes, visualizações, partilhas e comentários graxistas que vemos em todo o conteúdo referente a Ventura e ao Chega. Potenciam ainda a criação e divulgação em massa de fake news, que tendem a visar os adversários políticos, fomentando, acima de tudo, a mentira e o ódio.

Associando estes factos ao, já conhecido, conflito de interesses de André Ventura, que acumula ao seu salário de Deputado à Assembleia da República o salário de consultor numa empresa que, coincidentemente (?), atua também no setor imobiliário, contradizendo o que havia prometido antes de ser eleito e ao defendido no seu programa. Verifica-se, de forma mais lúcida que nunca, que o partido que afirma lutar contra a corrupção é, afinal, o mais corrupto de todos.

A grande dúvida que paira é: como é que o Chega obtém o seu financiamento?          Não será apenas através da usurpação de donativos prometidos a outras instituições, como foi o caso do jantar do Chega no Porto, onde os fundos prometidos ao Hospital São João ainda permanecem nas contas do partido, admitiu o próprio Ventura! Não esquecendo que este jantar terminou com a saudação nazi ao som do hino nacional…                  Certamente também não será através da “pequeníssima” subvenção do Estado (193.000€/ano) que o partido consegue olear a sua máquina e é aqui que entram os lóbis.

Se a nossa suspeita sobre a canalização de fundos provenientes dos interesses imobiliários e das relações “institucionais” do Chega com outros partidos igualmente “democráticos”, numa espécie de network grunhista, está mais do que justificada, ficamos agora a conhecer uma nova bolinha do malabarismo político de Ventura, que, afinal, representa uma maioria no partido – o movimento neopentecostal.             

Embora os líderes e pastores evangélicos acreditem que estão a usar Ventura para forçarem a sua agenda ultraconservadora no panorama político nacional, eles cometem um grande erro, ao subestimarem um advogado camaleónico como Ventura. Vejamos:

– Angariar uma diabética fatia do bolo de militantes do Chega (cotas a começar nos 23€/ano);

– Financiar inúmeros eventos do partido e juntar as respetivas plateias (20€/pessoa);

– Fazer, descaradamente, campanha nas sessões de culto e pelas redes sociais.

À partida, fazer tudo isto em troca de expressão política – traduzida na procura por benefícios fiscais e mudanças legislativas – parece ser um negócio infalível e podia sê-lo, se não estivessem a negociar com o diabo. A ideia de louvar um personagem como Ventura, de idealizá-lo como um novo Messias, peca por acreditarem neste quarto pastorinho, que não passará de Judas. Vamos ver até quando dura esta crença Venturiana e até quando esta torneira religiosa se mantém aberta para o CHEGA – destinos paradoxalmente ligados.